30 de novembro de 2010
28 de novembro de 2010
O homem e o absurdo
25 de novembro de 2010
«Noturno op.37» Nº. 1, Frederic Chopin
Talvez, quando nada mais houver para ser dito, restará apenas o lembrar das horas que nos verões se desmancharam. Longe de tudo, no horizonte monótono de cinzas a cair, ver-se-á talvez o abano das mãos, e pássaros que por vergonha silenciarão. E no futuro pelo qual as coisas nascem — despertas entre os muros que nos campos se constrangem — cantaremos, humanamente, o refrão de um passado subterrâneo, restando-nos o céu sem luz e uma certeza sem cor. Haverá somente a noite, a negação, sonegando-nos a nascença de um sonho já inerte.
24 de novembro de 2010
Francis Bacon, «Triptych», 1973
Porque o brilho de imagens assim, contido e agudo, revela-me o que por necessidade ponho a viver. E que dessas faces chegue ao menos a brisa do encantamento, novas terras, novos sóis. Quantas lembranças acanham-me os signos, minúsculos, indo do caos ao caos. Quedo-me frente a mundo, adormecido. Vivo, porém, ao ler brevemente um poema nesta luz pesada que saboreia-me na ardência dos dias e vomita-me sobre as intermitências da noite.
23 de novembro de 2010
A importância da educação musical
— Karl Marx, «Manuscritos econômico-filosóficos», Ouvres, t. III. pp. 120/121, Mega.«Vendo a questão do ponto de vista subjetivo, verificaremos que o sentido musical do homem é despertado apenas pela música. A música mais bela não tem nenhum sentido para o ouvido não musical, pois não é para ele um objeto, porque o meu objeto só pode ser a manifestação de uma das forças do meu ser. A força do meu ser é uma disposição subjetiva para si, porque o sentido de um objeto para mim só tem um sentido correspondente e vai precisamente tão longe quanto o meu sentido (...) O sentido sujeito às necessidades práticas vulgares não passa de um sentido limitado».
«Concert Music for Brass and Strings», Paul Hindemith
No computo geral, suas composições, diferentes do mestre russo, não caminham para a politonalidade. Ao contrário: são obras marcadas, num primeiro momento, pelo acento romântico; depois pelo expressionista. Em ambos os casos, Hindemith permanece dentro do sistema tonal, quer dizer, com presença do centro tônico dominante. O resultado de todo esse processo de influências pode ser sentido nas oito composições de «Kammermusik», pensadas entre os anos de 1921 e 1927.
No vídeo abaixo, todavia, podemos entender a faceta moderna de Hindemith, pois os seus «Concert Music for Brass and Strings» são bem característicos quanto à estruturação de algumas das suas peças mais importantes: início da obra no campo tonal; depois, lentamente, há o acréscimo de algumas dissonâncias. Então, para resolver essas polarizações, Hindemith volta ao sistema tonal, fazendo-o, porém, de maneira harmônica divergente daquela do início do concerto.
22 de novembro de 2010
«Játékok», György Kurtag
Todavia, diferentemente dos outros sistemas de ensino — como, por exemplo, os études de Czerny — , o foco dos Játékok é privilegiar a valoração do corpo como elemento artístico ao lado da gestualidade e performance. Através notação não-determinada, os Játékok estimulam a imaginação musical do intérprete possibilitando a execução e experimentação criadoras. Semelhantemente à estruturação do Mikrokosmos de Bártok, os Játékok são peças de progressiva dificuldade técnica, e, que, não raras vezes, a composição seguinte depende da assimilação da peça anterior.
Como ressaltam Claude Helffer e Catherine Michaud-Pradeilles, os Játékok «desempenham o mesmo papel para a utilização atual do piano e para a compreensão de uma linguagem aforística que nada renega do passado». Interessante notar que Kurtag vale-se dessas composições não como espécie de testamento musical, mas como experimentações que suplantam a própria linguagem idiomática do piano, onde o instrumento comporta-se como laboratório intencionalmente voltado à arte da composição.
Indo além do mero didatismo, o ensino do piano em Kurtag aponta para o encorajamento do aluno ir além do que a partitura estipula. Aqui, o que deve preponderar é a síntese criada entre a mediação do intérprete e obra, onde o lúdico estético define-se mais pela possibilidade experimentadora do que pela notação escrita. A partitura, aqui, converte-se em mera peça de articulação entre elementos desconexos e intuitivos da música criada. Como disse uma vez György Kurtag, essa é obra para a criança que brinca esquecida de si mesma e que sabe o valor do acaso e improvisação.
19 de novembro de 2010
O retorno de Shiva
«Kontra-Punkte», de Karlheinz Stockhausen
Em relação ao «Punkte», o «Kontra-Punkte» é uma superação da sua organização interna, pois é abandonado o pontilhismo em vista da plasticidade dos grupos sonoros. A escuta já não é mais fracionada ou afigural como ocorria no «Punkte». No «Kontra-Punkte» é possível identificarmos a figuralidade sonora pela metamorfose dos sons e pela sua direcionalidade, compreensível essa na intensidade (que vai se neutralizando até pianíssimo) e no tempo predominante.
A beleza imagética do «Kontra-Punkte» está, ainda, na forma como a sonoridade vai sendo abandonada até restar o solo do piano. Nota-se a gradual redução dos elementos de informação em favor da claridade discursiva. Interessante notar que, nessa perspectiva, o «Kontra-Punkte» já caminha para a fase intuitiva de Stockhausen nos anos de 1960, quando então a sonoridade é claramente reconhecida pela direcionalidade redutiva do foco musical.
É quando, pela ironia de Flo Menezes, a música serial se abre para o belo.
18 de novembro de 2010
«Concerto para violoncelo e orquestra, op. 22», Samuel Barber
Nesse cenário Samuel Barber é um caso singular. Suas composições, com exceção da «Sonata para piano», dedicada a Horowitz — que é uma excursão ao dodecafonismo —, são egressas de um romantismo tardio. Nunca alcançaram a irreverência de John Cage ou Milton Babit. Nem seu autor queria, todavia. A música de Barber é «fundacionista», tradicional, conservadora. Não vemos nela o experimentalismo de Charles Ives, seu contemporâneo. Mesmo assim, sua obra é viva, bela, sentimental.
Seu «Concerto para violoncelo e orquestra, op. 22», encomendado pelo maestro russo Serge Koussevitzky para ser executado pela solista Raya Garbousova, é impressionantemente difícil. É obra para virtuoses, com belos efeitos idiomáticos, embora com estruturação convencional em três movimentos. É obra essencialmente romântica, notável pelo equilíbrio formal e força dramática. A suavidade é plena, às vezes recitativa. Sendo de raiz romântica, não poderia deixar de trazer impulsos dramáticos, não raro sombrios.
— Publico aqui o primeiro movimento do «Concerto para violoncelo e orquestra, op. 22»:
17 de novembro de 2010
«Sinfonia nº 7» em mi maior, de Anton Bruckner
Ao lado de Brahms, Anton Bruckner foi último grande sinfonista de linha germânica. Depois dele, a sinfonia manifestar-se-ia noutras dimensões, seja caminhando para a linguagem dos poemas sinfônicos — como em Richard Strausss — ou na busca de expressão de novas modulações harmônicas (Gustav Mahler). É típico classificar Bruckner como romântico. Todavia, seu romantismo é sui generis. Diferentemente de Schubert, Liszt ou Wagner, Bruckner não cultivou outras formas musicais tipicamente românticas, v,g., o Lied, o poema sinfônico, peças para piano ou a ópera.
O verdadeiro Bruckner deve ser procurado e encontrado nas suas nove sinfonias, sinfonias essas que, a despeito da opinião desfavorável de Wagner, perseguia a tradição de schubertiana e beethoveniana. Pouca similitude pode ser encontrada nas suas composições sinfônicas, exceção feita à divisão em quatro movimentos e a forte personalidade da estruturação melódica: todas as obras são individualizáveis, de evocações únicas. A arquitetura e sonoridade são familiares, mas sempre surpreendentes: ora os movimentos são calmos, explosivos, sublimes ou rudes.
No caso da «Sinfonia nº 7», harmonicamente a mais superior das nove sinfonias, podemos facilmente identificar a nobreza e intensidade da sua sutil construção. Noutras palavras, é obra de maturidade (interessante notar Bruckner tinha mais de cinquenta anos quando terminou de compô-la, fazendo paralelo a Handel quando finalizou «Messias», ou Haydn os «Quatertos Op. 64» e as primeiras sinfonias de «Salomão», Wagner com o «Crepúsculo dos Deuses» ou «Aida», de Verdi).
Logo de inicio percebe-se que colorido da «Sinfonia nº 7» lembra Wagner, principalmente «Parsifal». Porém, o caráter dessa sinfonia é totalmente diverso daquele. Ao contrário do que possa parecer nos primeiros minutos do Adágio, que é lento e solene, a «Sinfonia nº 7» não é sombria ou lamentosa. Rapidamente inicia-se uma breve e magistral sucessão de melodias ardentemente sugeridas pelos violoncelos e violinos, sucedidas pelo tema das madeiras.
Os metais surgem, então, à maneira de fortíssimo, com notas que brevemente são cortadas para ceder espaço a outro tema, novamente evocado pelas cordas. O ritmo agora é percutido com insistência. O clímax é brilhante, agudo pela força dos violinos. A partir daí começa o preparação do scherzo, caracterizado pelas dimensões amplas, revigorantes. Já o finale é marcadamente schubertiano. A marca característica desse momento é a pontuação melódica do tema, com violinos a modular da tonalidade básica de mi maior para o lá bemol.
— P.S.: O vídeo acima refere-se apenas a abertura da «Sinfonia nº 7», sob regência de Bruno Walter.
16 de novembro de 2010
«Sonata para piano», de Luciano Berio
A ler, IV
Ler livros assim faz-me ver o tempo seguir incontinente. Mas não é uma continuidade que se mostra na quietude: somente na certeza da condição daquilo que avança por certo ser pensado. É o ir sendo, essa janela aberta, o gosto do pão ausente, da busca e confiança em si próprio. Nós, como sombras a viver em ar noturno, somente nela acendemos à vida. E sempre, nalguma escala distante, achamo-nos sob influência daqueles domínios mais inumanos. O tempo é escuro, e servimos a um mestre desconhecido, sempre a nós desbotado e, ainda assim, atrativo.
— «Gustav Mahler: um coração angustiado», Arnoldo Liberman, Ed. Autêntica, 160 p., 2010.
Superação do sistema tonal: Correntes
A primeira vertente, encabeçada por Schubert, Brahms e Mahler, procedeu pelo desenvolvimento harmônico baseado nas chamadas tônicas mediânticas, i. e. tonalidades que se encontram em relações de terças — sejam elas maiores ou menores — para com a tonalidade principal, onde novas modulações são introduzidas a partir de notas em «relações mediânticas» com a tríade tônica, levando o compositor a alcançar tonalidades totalmente distantes da tônica dominante.
Isso faz minar totalmente o poder de polarização da nota tônica, erodindo por completo a própria ideia de uma tonalidade principal. Assim, quanto mais distante da tônica (eixo), menos a tônica mediântica guarda com ela um som comum, gerando estranheza ao discurso tonal, posto serem funções satélites alheias ao tonalismo. No caso de Schubert, seu pioneirismo no campo da harmonia é máximo porque sua obra — da maturidade, ressalte-se — representa a síntese evolucionária do discurso tonal através das modulações tonais das zonas distantes de uma determinada tônica.
A segunda vertente é encabeçada por Liszt e Richard Wagner, que, se não complementar ao método anterior, dele é distinto em seus princípios. Grosso modo, trata-se da modulação através do cromatismo, no qual o ciclo das quintas é percorrido pela introdução de dominantes secundárias. Em Liszt, um bom exemplo é a sua «Sinfonia Fausto». Em Wagner, «Tristão e Isolda».
— Como ambas as obras de Wagner e Liszt citadas são mais conhecidas, publico nos vídeos abaixo duas obras representativas da superação do sistema tonal com fundamento nas tônicas mediânticas: «Zwölf Deutsche Tänze, D 790», de Franz Schubert e «Sinfonia nº 10, Adagio», de Gustav Mahler.
15 de novembro de 2010
Shostakovich, um prelúdio
«The majority of my symphonies are tombstones». — ShostakovichDmitri Shostakovich fascina-me sobretudo porque sua obra implica em reafirmar que «o amor é invencível nas batalhas». Como um fim que se aproxima ou paisagem que se dilui, percebemos que nem a mais alta metafísica é capaz de superar o sono da vida. Povoamos nossas misérias com desejos nunca inteiramente simples, mas altos, saudades de uma hipótese irrenunciável mesmo que de nós alheia. Pois viver é apenas tocar a consciência, e não abraçá-la como se abraça a atmosfera abstrata dos nossos pensamentos: somente há lugar para um, tanto mais feliz quanto descontente, tanto humano quanto mito, e apenas satisfeito.
Nele os contornos harmônicos figuram com maior realismo na medida em que adquirem relevo e expressões humanas, comuns em sua significação e atávicas em sua psicologia. Se amamos a perfeição porque não podemos tê-la, inútil socorrermo-nos às suas composições. Nosso esforço é vão, e não se projeta sobre nossas intenções. Ninguém é capaz de escutar a tensão de homens assim. Deles percebemos o aproximar tardio, tão anacrônico quanto trágico, tão belo quanto indefinido.
13 de novembro de 2010
Henryk Górecki (1933 - 2010)
9 de novembro de 2010
8 de novembro de 2010
Arvo Pärt, «Berliner Messe», p. vii
— Arvo Pärt, Berliner Messe, VII, «Sanctus»
7 de novembro de 2010
Citar os grandes
— Excerto retirado do clássico, grande e lindo ensaio The nature of Gothic, de John Ruskin.And all the evil to which that cry is urging our myriads can be met only in one way: not by teaching nor preaching, for to teach them is but to show them tiieir misery, and to preach to them, if we do nothing more than preach, is to mock at it. It can be met only by a right understanding, on the part of all classes, of what kinds of labour are good for men, raising them, and making them happy; by a determined sacrifice of such convenience, or beauty, or cheapness as is to be got only by the degradation of the workman; and by equally determined demand for the products and results of healthy and ennobling labour.
Arte e drama
No caso da ópera, o período clássico, marcado pelas óperas de Spontini e Gluck, as apresentações combinavam, assim como no primeiro período grego, todas as performances com harmoniosa integração. Todavia, era esse o tempo onde a música também começava a deixar de ocupar o lugar que sempre ocupou. Se antes ela servia como elemento de transcendência e adoração entre homem e deus ou entre o homem consigo mesmo, agora a música passava ser tratada como commoditie.
Assim, os modelos musicais necessitavam alterar-se. Era preciso o fácil entendimento. A assimilação deveria ser espontânea. Iniciou-se a dissociação da música e do drama. Nesse novo universo as palavras eram apenas um pretexto para exibição do virtuose. Todavia, existiu Wagner, que se insurgiu contra esses modelos degradados. E o modelo para legitimar sua pretensão foi Beethoven, mais particularmente sua IX Sinfonia (sobre esse assunto, ler o ensaio «Beethoven», de autoria do próprio compositor).
Isso porque, aos olhos do mestre dos Anéis, a IX Sinfonia derivava da total integração entre música e palavra, entre drama e poesia. A arte, antes fragmentada, agora totalizava-se harmonicamente. Mas mais do que isso, essa totalização era guiada por um pensamento filosófico, uma imposição determinada capaz de exprimir uma visão, um pathos. A partir disso, compreender a origem das fontes de Wagner — uma vaga noção da filosofia budista, o pessimismo de Schopenhauer e as lendas germânicas — fica bem mais simplificado.
P.S.: No vídeo abaixo, onde vemos a encenação do II Ato de «O Crepúsculo dos Deuses», fica fácil ver a integração entre arte, teatro, música e drama:
5 de novembro de 2010
Apetece-me o fim
Músicas assim — projetos de contínua realização —, congêneres àqueles caminhos já abandonados, permitem o encontro com as nossas mais escondidas ambições. Seu instante, embora breve, revela-nos algum canto perene à memória ou uma reminiscência absoluta na visão, embora demasiadamente passageira no sabor das conversas e convivências. Como são laboriosos os conceitos e a matemática das paixões! Como é falso seu pulsar, esse cosmo decadente, todo seu enaltecimento e geografia. Interessa-me, por ora, o enlace dos corpos junto ao contato com a resistência que aquece os trópicos. Basta-me o pensar crescido na simples emoção do peregrino em sua rota, a vida que transcende a unidade dos vínculos e os sabores da forma. Sou o átomo fez-se dois.
2 de novembro de 2010
«Concerto nº 20 para piano e orquestra em ré menor, K. 466», de Mozart
Fazem parte desse fértil período K. 466, 467, 482, 482, 488, 491 e 503. O concerto que aqui publicamos é o «Concerto nº 20 para piano e orquestra em ré menor, K. 466». Sua data de término foi 10 de fevereiro de 1785. Ele se divide em três movimentos: Allegro (constituído por seis episódios: Prelúdio, Exposição, Ritornello, Desenvolvimento, Recapitulação e Ritornello), Romanza — Allegro e Rondós — Allegro assai.
No primeiro movimento observamos o contraste entre cordas e piano. A orquestra, de imediato, apresenta ao ouvinte vários motivos, um dos quais será cativo, retornando como fio condutor. O segundo movimento é de constante agito e variações temáticas. É turbulento por natureza, como se expusesse o porvir cuidadoso entre a transição do primeiro motivo com o terceiro movimento. Finalmente, o terceiro movimento, que é um dos mais elaborados Rondós de Mozart.
Ele estrutura-se sobre quatro ideias básicas: a primeira é exposta rapidamente pelo piano, que cede lugar à retomada orquestral, expressando-o através das cordas; a segunda ideia surge novamente com o piano. Todavia, ele o faz com base em novo tema, menos rápido e caótico que o primeiro, desembocando em uma nova melodia, dessa vez em fá menor. A quarta ideia é inacreditável: em ré menor, inaugurando novo tema, vários instrumentos alteram a tensão até então presente no concerto. Tudo o que até então aparentava estabilidade é desfeito. Como sempre, e com golpe de mestre, Mozart surpreende-nos com invulgar evolução de todo o acompanhamento.
PS: Para maiores informações (infinitamente maiores!) sobre esse concerto, conferir esse arquivo.