22 de novembro de 2010

«Játékok», György Kurtag

Na extensa obra de György Kurtag os seus Játékok ocupam lugar de destaque, oferecendo uma releitura do projeto metodológico que já havia sido esboçado em «Opus 1», ou seja, harmonias ausentes de qualquer preocupação com o sistema composicional. Podendo ser definido como a poética do lúdico, os Játékok são composições destinadas àqueles que iniciam o estudo do piano, notadamente as crianças.

Todavia, diferentemente dos outros sistemas de ensino — como, por exemplo, os études de Czerny — , o foco dos Játékok é privilegiar a valoração do corpo como elemento artístico ao lado da gestualidade e performance. Através notação não-determinada, os Játékok estimulam a imaginação musical do intérprete possibilitando a execução e experimentação criadoras. Semelhantemente à estruturação do Mikrokosmos de Bártok, os Játékok são peças de progressiva dificuldade técnica, e, que, não raras vezes, a composição seguinte depende da assimilação da peça anterior.

Como ressaltam Claude Helffer e Catherine Michaud-Pradeilles, os Játékok «desempenham o mesmo papel para a utilização atual do piano e para a compreensão de uma linguagem aforística que nada renega do passado». Interessante notar que Kurtag vale-se dessas composições não como espécie de testamento musical, mas como experimentações que suplantam a própria linguagem idiomática do piano, onde o instrumento comporta-se como laboratório intencionalmente voltado à arte da composição.

Indo além do mero didatismo, o ensino do piano em Kurtag aponta para o encorajamento do aluno ir além do que a partitura estipula. Aqui, o que deve preponderar é a síntese criada entre a mediação do intérprete e obra, onde o lúdico estético define-se mais pela possibilidade experimentadora do que pela notação escrita. A partitura, aqui, converte-se em mera peça de articulação entre elementos desconexos e intuitivos da música criada. Como disse uma vez György Kurtag, essa é obra para a criança que brinca esquecida de si mesma e que sabe o valor do acaso e improvisação.

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