27 de fevereiro de 2011
Realismus
Passo pelas muralhas e reconto— William Butler Yeats
Os alicerces de uma casa e o ponto
Onde a árvore, como um dedo sujo duplo, sai do chão,
E solto a imaginação.
À luz do dia declinante apelo às
Memórias e retinas
De antigas árvores ou ruínas —
Que eu gostaria de inquirir a todas elas.
Zen
Meu dilema:— Saigyo, « Poemas da cabana montanhesa »
Aquela profunda realização nunca
Virá acontecer à
Minha mente, cuja verdade
Ela tão bem realiza.
20 de fevereiro de 2011
19 de fevereiro de 2011
Leituras e Movimentos, III
— Michael Peppiatt, « Francis Bacon: Anatomy of an Enigma», Skyhorse Publishing, 2009, 464 p..
O Problema da Metafísica
Ao concordarmos com Fernando Pessoa ao dizer que o viver condiciona-se a mero “entreato de orquestra” (no qual a degeneração da existência amolda-se perfeitamente ao limite da própria vida), percebemos não somente a importância daquilo que encosta-nos com rigor à parede. Percebemos também o peso de tudo quanto aspira à metafísica em preferir apenas um propósito: a busca da Verdade. Se algo de Absoluto existisse, revelar-se-ia. Mas toda a vida é um corpo em aberto, mero acaso e, finalmente, um sono infinito. O ritmo da vida exige alguma abertura de valores para sua construção. Esse processo, no qual tantos se põem a falar, seja como saber ideal ou experiência sentida, nada representa que não um destino no qual projetamos um viver condicionado. O incerto não se deixa domar pela simples vontade. Mesmo se conseguíssemos aprisioná-lo, preferiríamos a condição de abismo. A emoção e a consciência do acaso estremerce-iam diante de nós — e dessas fissuras nasceria o prazer de sempre o mais exigir. O pessimismo, afinal, não deixa de ser resultado do medo transcendido.
16 de fevereiro de 2011
13 de fevereiro de 2011
10 de fevereiro de 2011
8 de fevereiro de 2011
7 de fevereiro de 2011
Princípio da subtração
No retrato a óleo está a essência— José Jorge Letria, « Os Dois Mallarmés »
do não dito, do não escrito.
Na fotografia está o senhor de posição e de idade,
poeta consagrado reinventando a linguagem
com o meticuloso labor de quem
faz a escrita só para as contas baterem certas.
6 de fevereiro de 2011
5 de fevereiro de 2011
Carpe Diem
Como belos corpos de mortos que não envelheceram,— Konstantinos Kaváfis, « Poemas de K. Kaváfis », Odysseus, p. 71.
E foram encerrados, com lágrimas, em magnífico mausoléu,
Com rosas na cabeça e jasmins nos pés —
Assim lhes assemelham os desejos que passaram
Sem se realizar, sem que nenhum
Alcançasse uma noite de prazer, ou sua manhã luminosa.
O tempo das tempestades
O sol não morre por piedade e nem assim deveríamos pensar. Sobre ele reside não apenas o peso do mundo, mas projeto de algo qualquer. A terra e a semente caem-lhe das mãos. Nada é ao acaso. Tudo frutifica-se no acanhar das tormentas.
Afinidades
Reler a obra poética de Baudelaire, incluindo aí seus poemas em prosa, não sem antes voltar a Cruz e Souza, é perceber a continuação de um ciclo de renascimento do pensamento e da ideia. Os anos que separam um poeta do outro foram os anos da condensação, o momento sublime que excede a influência. É o instante não da sucessão ou continuidade opaca, mas serenidade que apanha os gênios quando presidem o esforço de propagarem suas próprias misérias e deslumbramentos.
Unir-se aos estreitos
Um bom livro não busca simplesmente alcançar um prazer estético de afeição ou repulsa, mas provocar no leitor a busca de um estado onde por livre exercício da vontade força-o a ser, no instante da leitura, causa e efeito, trabalho e embriaguês. Aí, cada órgão do seu corpo estremece noutra frequência, caminhando rumo a direção de perceber a si próprio em condição de graça. Contrariamente a considerar isso mero alheamento, deve-se entender essa obsessão como a mais grave e devotada paixão pelo que existe, por aquilo que lhe é humano.
1 de fevereiro de 2011
Des petits riens
Baudelaire, poeta no qual os desejos parecem se impor como presenças que nada querem ou chamam, faz impulsionar as interrogações do acaso sempre além, ainda que infiltrado em coincidências e desnortes. Vencida toda lógica, somente seu arbítrio afirma e violenta a experiência do mistério. O acaso objetivo, o efeito de toda realidade, se despedaça naturalmente ante seus pés. A vitalidade das suas palavras, embora suspensas na mais fria medida, supera o eclipse da beleza em meio ao barro que lhe oculta o brilho. Apenas o mal compreende a totalidade da sua consciência. O bem nada significa quando tudo perde seu valor, sua vista e pronúncia. O mal desaparece no seu oposto: «Sombra de sua própria sombra? Sim. Em sonhos via» (Hilda Hilst, in «Cantares»)