31 de janeiro de 2011

Fenomenologia do som

Existencialismos

«Não te envergonha padre Yannaros, de me pedir diretrizes? És livre, criei-te livre. Por que queres depender de mim? Levanta-te padre Yannaros! Deixe as genuflexões, assume tuas responsabilidades e não peças conselhos a ninguém. Não és livre? Escolhe».
— « Irmãos Inimigos », de Nikos Kazantzakis.

29 de janeiro de 2011

Vita nuova



A noite pertence não somente aos domínios do simbólico e arquetípico. Como retratos de personagens e romances, sua atemporalidade fascina-nos sobretudo por sua introversão e magia. A noite é nossa metade, a fixação da intensidade e perfeição. Qual ideal, experiência ou história, desempenharia com tamanha adequação a antiguidade coadjuvante de nossas causas e desventuras? Todas as sagas e lendas dos povos recorrem ao mergulho noturno. O material que dela se oferece faz-nos aprofundar no sono mais senhorio, esse que é o instante da ascese humana. Vivos, quando a caminhar na medida da terra, debruçamos a razão sobre o permanente. Porém, envoltos no caráter autônomo da noite, na freqüência do imprevisto e impensado, recorremos à intuição da coragem, o desprezo pela inteligência. À noite asfixiamos a boa educação para atribuir nossos talentos a margem extrema da nossa ambição e ventura.

Arqueologia da composição

28 de janeiro de 2011

A ler, VII

— « A nossa obsoleta mentalidade mercantil », de Karl Polanyi, aqui.

27 de janeiro de 2011

Leituras e Movimentos, III



— Umberto Eco, « Arte e beleza na estética medieval », Ed. Record, 2010, 351 pp.

Jaze sereno, sereno e leve

Escuta...
num som fraco e seco,
como passos de fantasmas que passam,
as folhas, crispadas pelas geadas, destacam-se
das árvores, e caem.
— Adelaide Crapsey, « Noite de novembro »

25 de janeiro de 2011

Canções que apetecem-me a noite, § II

A utopia em Ernst Bloch

O mundo está, antes, repleto de disposição para algo, tendência para algo, latência de algo, e o algo assim intencionado significa plenificação do que é intencionado. Significa um mundo mais adequado a nós, sem dores indignas, angústia, auto-alienação, nada. Essa tendência, porém, está em curso para aquele que justamente tem o novum diante de si.
— Ernst Bloch, « O Princípio Esperança », vol. I, Contraponto, 2005, p. 28.

23 de janeiro de 2011

«Wozzeck op. 7», de Alban Berg



Se pudéssemos orientar nossa percepção quando da oitiva de «Wozzeck» , de Alban Berg, poderíamos partir do seu caráter anti-romântico. E esse aspecto não é exclusivo (se bem que é característico) da sensibilidade de Berg, mas, sim, da peça homônima que inspirou sua composição. Diferentemente da tradição romântica que preponderava na Alemanha no início do sec. XIX, George Bückner, à semelhança do que representaria Heine anos mais tarde, teve plena consciência das limitações fatalistas que eram oferecidas como legitimadoras às incontornáveis leis da História. No caso de Berg, somente sendo esmagado por um profundo entendimento da natureza humana — compreensão essa destituída de qualquer sentimentalismo idealista — ele, assim como Bückner em décadas anteriores, poderia fazer desse deslocamento, dessa queixa e maldição ao presente, uma ópera brilhante.

Brilhante não apenas por trilhar caminhos autônomos aos de Gluck, Mozart, Wagner ou Debussy, por exemplo, mas por ser capaz de construir cada uma das quinze cenas de «Wozzeck» em uma forma instrumental diferente — a suíte, a passacalhe, a fuga o rondó, a sonata etc.. Curiosamente, esse procedimento serve tanto para demonstrar a não-autonomia de cada uma dessas formas musicais como também para afirmar a dependência estética de cada uma dessas estruturas no conjunto operístico.

Ele supera essas antinomias com sutilizas, por inúmeras e incessantes transformações. Como ele mesmo ressaltou, «é necessário que a técnica não passe despercebida, mas é de justiça ocultá-la profundamente». Cumpre lembrar que «Wozzeck», nas etapas de evolução de Alban Berg, significou o desembaraço das influencias de Schumann e Brahms. Uma obra representativa desse período é o «Quarteto opus 3». Como em outras obras, tais como Lulu, Berg faz concentrar em «Wozzeck» alguns temas-padrão: a fragilidade, a alienação e a loucura humanas. É construído então um universo no qual o «o individual não é mais que espuma da onda; a grandeza, um mero acidente; a autoridade do gênio, uma representação de títeres, uma luta irrisória contra uma lei férrea que, quando muito, podemos reconhecer, mas que é impossível dominar».

21 de janeiro de 2011

Das sombras acumuladas



«Oh, é uma batalha bem mais dura que aquela que ele outrora esperava. Até velhos homens de guerra prefeririam não experimentá-la. Porque pode ser belo morrer ao ar livre, no furor da refrega, com o próprio corpo são, entre triunfais ecos de clarim; mais triste é certamente morrer sem ferimentos, após longas penas, num dormitório de hospital; mais melancólico ainda finar na cama de casa, em meio a lamentos afetuosos, luzes mortiças e vidros de remédios. Mais nada é mais difícil do que morrer num lugar estranho e desconhecido, no leito comum de uma estalagem, velho e desfigurado, sem deixar ninguém no mundo».
— Dino Buzzati, « O deserto dos tártaros », Ed. Nova Fronteira, 1986, p. 240.

20 de janeiro de 2011

«Tristes Trópicos», de Claude Lévi-Strauss



Abro aleatoriamente meu novo volume dos «Tristes Trópicos» e leio alguns parágrafos a esmo. E com a mesma impressão de um viajante, explorador ou qualquer coisa que o valha, percebo que, à semelhança dos rios, das carnes e daquilo que permite a vida e também a colhe, o já lido e sentido em minha imaginação adquiriu sentido próprio, independente de mim. Tudo parece iluminado por um sol invisível. Não aquela luz que sufoca e maltrata, mas uma presença de frescor e habitação. É um sentimento de presença. Talvez seja a identidade a fazer-me aproximar daquele testemunho. São sempre ternas essas mistificações, esses caprichos de leitor. Todo grande livro foi escrito por nós, e em nosso íntimo toda vivência nele descrita é igualmente por nós vivida. Aí o domínio da palavra e do papel é insignificante, mera convenção. O livro em mãos é sempre um eu.

— «Tristes Trópicos», Claude Lévi-Strauss, Companhia das Letras, 2009, 400 p..

19 de janeiro de 2011

Visita noturna


E lá, onde os sonhos formavam-se
para nós dois — sonhos não muito diferentes
iam ficando guardados.
Vimos o mesmo sonho, e havia força nele,
como a chegada da primavera.
Anna Akhmátova, «No lugar de um epílogo»

A claridade ofusca-me a face

Secai, prantos do mar, e reste, vácuo,
Apenas o murmúrio interminável
.
.......... Dante Milano, « Elegia de Orfeu »
Apenas um sonho reflui ouvido eternamente. E não há exemplo igual, pois não há outro em parte alguma. Caminha nu, frio como a treva que o esconde, esvaziado de homens e sorrisos, carregado no gesto presente, na espera presente. Mas ele percorre o espaço, tremente, em dois — o mundo e o fim do mundo: «Que se faça luz», mas é tudo em vão. À espera do dia, pergunta; e a noite o nega.

18 de janeiro de 2011

«Sobre a ideologia da morte»

«El progreso de la verdad es la lucha contra la sensualidad, el deseo y el placer. Esta lucha se dirige no solamente a liberar al hombre de la tiranía de las bestiales necesidades naturales, sino que es también la separación de la vida del cuerpo de la vida del espíritu, la alienación de la libertad del placer. La felicidad se redefine a priori (esto es, sin fundamento empírico sobre razones factuales) en términos de autonegación y de renuncia. La glorificada aceptación de la muerte, que lleva consigo la aceptación del orden político, señala también el nacimiento de la moralidad filosófica»

— Herbert Marcuse, «Ensayos sobre política y cultura», Ed. Planeta-Agostin, 1989, p. 157

A posse

Não carrego minha herança sobre a terra. Nem paisagens que afloraram no limo e que hoje delas se fazem credos. Trago apenas a solidão das espécies cruzando o espaço intangível das rochas, o epílogo de toda criação, aquilo que estruge sobre as espumas e precede o tempo que agoniza sobre as Eras.

11 de janeiro de 2011

The open mind books, III

......

Poemata

Ao homem volve morte inédita e outros males,
P’ra que, de noite, lance em luta amigas tropas
E enrede a vila com nefastos desatinos.
Gaio Valério Flaco, «Argonautica», Canto III.

9 de janeiro de 2011

Canções que apetecem-me a noite, § I



Fascinam-me sobretudo as «canções absolutas», as harmonias nas quais o indizível exprime-se diretamente como sentimento: a emoção, a linguagem do inefável. O ordinário, aquilo que se expressa conceitualmente, não serve como intermédio à construção de uma teoria do conhecimento apropriada. Hegel estava equivocado e Nietzsche deu um passo adiante na afirmação do caráter da música como linguagem autônoma. E a independência dessa «linguagem universal», dessa intransigente afirmação daquilo que é lírico, é mais que simples reprodução de um belo universal. É a afirmação da transitoriedade da vida, das emoções, do que está oculto nos princípios mais elementares da nossa existência. Toda segurança do universo é dissipada nesses breves instantes e modulações. Os fenômenos desaparecem todos. As coisas explodem como realmente são.

8 de janeiro de 2011

Ler Sartre hoje



Ler o «Ensaio de Ontologia Fenomenológica» de J.-P. Sartre, nos dias a correr, é perceber que os limites da filosofia não se estruturam unicamente na linguagem que a suporta. Os compromissos do pensamento existencialista, sua dialética e liberdade — que o fazem ir além de uma filosofia meramente histórica — indicam a positividade daquilo que poderia ser chamado de «fenomenologia do sujeito». Todo o fascínio ou repulsa extremados que envolviam essa obra parecem fazer parte um tempo já não mais prejudicial à construção do projeto sartriano. Hoje podemos sentir nas páginas desse ensaio um pulsar que culminaria na «Crítica da Razão Dialética» e na aproximação de Sartre com o pensamento marxista.

Muito mais que uma fratura, como podemos pensar quando em contato com «Questão de Método», esses dois pólos de referência deixam-se tencionar com recíproca radicalidade — a do eu, de um lado, e da historicidade, do outro. Essa conversão radical, na terminologia de Herbert Marcuse, não é o simples abandonar de uma ideologia idealista. É, sim, o assumir do sentido mais íntimo daquele núcleo já teorizado em «O Ser e o Nada». É o instante de superação dos sonhos, das expectativas e esperanças. É o acordar do sujeito, a construção da sua história e da sua liberdade.

7 de janeiro de 2011

The second coming

5 de janeiro de 2011

A vertigem

O tempo sopra-me às árvores num tempo lento, o mais lento dos tempos. A carne é escura como o céu, crescido no que persiste não morrer. E é espantoso pensar sobre a maré que afasta-me do chão entre tantas ruas e ventos de verão. Mas ele é sempre o mesmo, algo qualquer que não apodrece, que não morre porque não vive. Eu sim. E sou apenas um clarão, um sonho entre tantos amontoado. Sei que vivo e preciso sentir a terra com a velocidade da alegria.

A interrogação da arte



Cada obra de arte é um instante; cada obra conseguida é um equilíbrio, uma pausa momentânea do processo, tal como ele se manifesta ao olhar atento. Se as obras de arte são respostas à sua própria pergunta, com maior razão elas próprias se tornam questões.
Theodor W. Adorno, «Teoria Estética», Edições 70, p. 17.

A Ler, VI

— «Terry Eagleton, uma apresentação», aqui.

2 de janeiro de 2011

Debussy e o nascimento da modernidade

— Via PQP Bach