31 de dezembro de 2010

Prospectos

... Venham, meus amigos,
Não é tão tarde para buscar um mundo mais novo.
Desancorem, e sentando-se bem em ordem, batam
Nos encaixes sonoros; pois minha intenção continua a de
Navegar para além do pôr-do-sol, e para os banhos
De todas as estrelas ocidentais, até eu morrer.
Alfred Lord Tennyson, in «Ulysses».

27 de dezembro de 2010

«Verklärte Nacht» Op. 4, de Arnold Schoenberg

Ao lado das sinfonias de Mahler e dos oratórios de Bach, «Verklärte Nacht» Op. 4 — ou Noite Transfigurada — de Arnold Schoenberg representa um dos momentos de maior singularidade da música tonal. Baseada no poema homônimo de Richard Dehmel, a obra, composta em 1899 e apresentada em 1902, traz em si matizes do romantismo tardio, fazendo uso intenso do cromatismo (influência de Richard Wagner) e de densa e austera tensão contrapontística (influência de Brahms). Poder-se-ia dizer ser obra programática. Originariamente a versão de estréia foi um sexteto.

Seguindo, porém, a prática da época, em 1943 Schoenberg faz uma versão para orquestra de cordas, onde foi mantido inalterado o único e intermitente movimento, dividido esse em cinco seções que correspondem às cinco estrofes do poema original. Apesar do movimento ser dividido em seções, sua continuidade é marcada por uma perene e noturna sensualidade. Um dos momentos mais belos da peça é certamente o da transfiguração (quarta seção). O turning point é violento, de ruptura. Sua densidade significa a resolução de todos os motivos até então apresentados. Tal qual a força poética da inspiração de Dehmel, Schoenberg consegue fazer com que toda composição seja abrangida pela pulsão necessária à expressão dos desejos primitivos do poeta. Há transfiguração e magia: «há um brilho ao redor de tudo».

— Para uma análise detalhada do poema sinfônico de Schoenberg, leia essa série de posts.

25 de dezembro de 2010

A Ler, V

— «Der Spiegel entrevista o filósofo Lukács», aqui.

21 de dezembro de 2010

Dialética e cultura



— Lucien Goldmann, «Dialética e Cultura». Imagem ampliada aqui.

Leituras e Movimentos, II

Enquanto ouço «Stabat Mater» de Rossini, apercebo-me das novas aquisições que preencherão os dias a seguir: «Dialética e Cultura» do Lucien Goldman, a acalentada biografia de Karl Marx da antiga Edições Progresso, a «Bíblia do Peregrino» do Schökel, «Escuta, Zé Ninguém», do Wilhelm Reich, a «História da Arte» do E. H. Gombrich, «O Existencialismo», numa coleção popular escrita por Paul Foulquié. Finalmente, «Medo à liberdade», de Erich Fromm. Para embalar os instantes finais, estou a ouvir por completo «Meus clássicos favoritos», de Arthur Moreira Lima.

Appendix: Este blogue deseja boas festas a todos os seus leitores, com especial deferência aos bloggers do além-mar João Ferreira Dias e Rui Bebiano, que referenciaram esse espaço desde a sua criação. Boas festas também para aqueles que, mesmo não tendo domínio na web, colaboraram com esse escriba.

16 de dezembro de 2010

The open mind books, II

......

Poética e movimentos

O deslocar caminhante é um truísmo para aqueles que desapegados são às letras frias das conclusões alheias. No universo da subjetividade, encontrar o mundo é retornar cada vez mais à reminiscência de uma paisagem que há muito no horizonte da idade declinou. É um retorno à infância e aos artifícios que eram usados como argumento para alcançar a maturidade. Porque o impulso do caminhante é um signo a ele desconhecido, que subsiste apenas em seu discurso e oculto nas mais profundas persistências do seu deslocar. Não apenas o objetivo, porém, faz o gozo do caminho. Somente o movimento aleatório, a fadiga e a sensualidade poupam essa descoberta fatal. Sê oculto, mistérios do mundo. O jogo premia a identidade. Seu porto é o revelar de uma epifania que explode no acaso, que brilha alta, incandescente, revelando a poética do espaço e dos corpos. Essa iluminação é a emoção da cumplicidade, a companheira que habita-nos à semelhança da sombra e dos prazeres.

12 de dezembro de 2010

«Diamorphoses», de Iannis Xenakis

As composições de Iannis Xenakis compreendem uma massa e densidade sonoras singulares. A matéria musical é sempre plástica, definindo-se, em alguns momentos, pelo uso criativo das teorias matemáticas, tal como ocorre em «Metástasis», de 1954, e «Pithoprakta», de 1956. Reconstruindo dionisiacamente as categorias de tempo e espaço, Xenakis imprime novas divisas para a compreensão teórica do fenômeno harmônico, seja pela configuração fragmentada da orquestra — como ocorre em «Terretektorth», onde os músicos encontram-se espalhados em meio ao público ouvinte, fazendo com ele seja o centro polarizador das ideias e dos sons — ou pela arquitetura audiovisual alicerçada no som e na luz (v.g., «Polytopes»). Nesse aspecto, a dinâmica musical faz com que todas as matrizes de estruturação sonora sejam imbuídas de intencionalidade, inibindo que o discurso seja afetado pela superficialidade emotiva ou relaxamento estético. A violência poética de Xenakis, como ressaltou Nouritza Matossian, sua biógrafa, fez com que ele se tornasse o último compositor heróico do nosso tempo.

8 de dezembro de 2010

A ler, V

5 de dezembro de 2010

«Sequenza VI», de Luciano Berio



A música é compreendida segundo um padrão de linearidade temporal. O que ouve-se agora é sempre comparado ao ouvido anteriormente. E dessa comparação é extraída a posição daquilo que será ouvido num futuro breve. Esse ciclo de memórias auditivas, todavia, em Luciano Berio, desaparece. Não porque sua música seja destituída de direcionalidade, mas porque a articulação que ele imprime aos elementos musicais permite, à exaustão, a gesticulação de ideias complexas num espaço melódico reduzidíssimo.

No caso das dezoito «Sequenze» — que são um conjunto de peças para instrumentos solo que busca a exploração dos limites musicais típicos do instrumento em execução —, o padrão monofônico é ampliado pela inserção de microestruturas simultâneas, notando-se claramente o desaparecimento daquela linearidade temporal. Em razão desse processo, o ouvinte fica destituído da centralidade que está acostumado, faltando-lhe à memória auditiva a compreensão das simultaneidades melódicas que estão comprimidas e potencializadas em apenas uma linha. Por exemplo, a «Sequenze VI», para viola: é obra para ser apreciada como se aprecia um campo de arqueologia, lentamente, camada por camada.

Às vezes tenho noites assim

Os limites da percepção

A geografia da percepção, das sensações que se revelam em cada uma das nossas ideias, tem por mapa o horizonte ilimitado do futuro. Cada passo faz descortinar o reavaliar de nossa finitude. O erro, o equívoco e a descoberta, muito mais do que somos capazes de identificar, compõem e determinam nossa liberdade, mantendo vivo o prazer inventivo das viagens. O arejar do solo pátrio em meio ao contato humano diversificado é o fortalecer da pluralidade, é o internacionalismo da compreensão. As estremaduras das fronteiras são contra o espírito da paz perpétua.

3 de dezembro de 2010

Danças sinfônicas

Reintegra-me à existência poética o caminhar entre livros. Exposto entre gentes e histórias cujo nascer à perpetuidade multiplica-se no pó dos meus interesses, sinto, nas longas e solenes prateleiras, algo que não apenas sopra-me à consciência, mas a todos os sentidos de minha sensibilidade. Sou aquilo que toco, sinto e concentro em meus olhos. E lentamente, sobre a textura das páginas, adenso minha vida àquela de quem estou a ler. Faço das experiências alheias, sem qualquer pudor, a citação do meu próprio viver.

Canção de ninar primaveras

1 de dezembro de 2010

A diferença entre Shelley e Byron

«A verdadeira diferença entre Byron e Shelley reside no seguinte: aqueles que os compreendem e apreciam consideram uma sorte o fato do primeiro ter morrido no seu trigésimo sexto ano, pois se vivesse mais tempo tornar-se-ia um burguês reacionário. Por outro lado, lamentam que Shelley expirasse aos vinte e nove anos, pois era um revolucionário consumado e teria pertencido sempre à vanguarda socialista».

— Tradução de um mísero trecho do ensaio «Shelley and Socialism», Edward e Eleanor Marx-Aveling.